Wednesday, October 20, 2004

Silêncio de culpa

Maria continuava sentada na beira da cama.
Tinha acabado de separar todas as roupas do marido e ainda lhe custava a acreditar que iria ficar só.
Não tinha sido um diálogo fácil. Carlos tinha feito todas as tentativas de reconciliação, mas o desgaste dos últimos anos, tinham destruído o que Maria sentia de mais belo, dentro de si.
Não era justo viver cansada, com apenas 35 anos.
Sentia-se perdida, dividida e culpabilizada...como tantas outras mulheres de alcoólicos.
À medida que os anos passaram, foi perdendo o poder de controlar certas situações e rendia-se, completamente impotente, a um inimigo sem rosto, sem corpo, mas muito mais poderoso que um gigante.
Já não tinha lágrimas.
Já nem sequer tinha forças para se lamentar.
O que mais queria era um ponto de partida, para mudar a sua vida.
Mas esse dia, finalmente tinha chegado e agora Maria sentia um misto de alívio e medo... por se livrar da dor, essa sua fiel companheira de vários anos e pelo receio de não conseguir apagar algumas recordações.
Afagou o gato, que ronronava cúmplice, no seu colo.
E relembrou, com mágoa, a discussão do dia anterior.
- Ontem, voltaste de madrugada. Senti-te abrir a porta, à décima tentativa.
- Lá vens tu outra vez, com a mesma conversa.
- Ai sim? Não gostas? Então, hoje é o teu dia de sorte.
- Ironias... a esta hora?
- Não é brincadeira, Carlos. Acabou. O teu tempo esgotou...
-..........
- Já não me importa o teu silêncio de culpa.
O rosto dele tinha-se transfigurado. Sentiu-se apanhado numa rede sem saída.
Bateu secamente a porta da rua e Maria sabia que nessa noite, ele já não voltaria.
Precisava ser forte.
Precisava cuidar da seara da sua vida.
Precisava ver crescer os seus frutos.
Chorava por um turbilhão de sentimentos contraditórios.
Era simplesmente um esvaziar dum tempo perdido, sem sentido.
Estava tão absorta, no seu desencanto, que não se apercebeu dumas mãozitas minúsculas, que abriam suavemente a porta e se juntavam às suas, num toque leve e doce.
Olhou o rosto lindo do seu filho, que lhe tentava dizer tanta coisa, naquele olhar.
Abraçou-o junto ao peito e sentiu naquele abraço, a tal força que procurava dentro de si.
- Mamã...
- Diz, meu filho...
- Não chores...quando for grande, caso contigo e vou fazer-te muito feliz!

3 comments:

Blogger said...

Minha Cara: este blog não tem mail? Não é justo...

INFORMANIACA said...

Podes sempre comentar de forma que só eu possa ler...acaba por fazer o mesmo efeito. ;)

Blogger said...

Ah?!...